Trabalho Científico - Hospital Universitário Alzira Velano.

Bioterrorismo, Antraz e Avanços da Ciência
Dr. Joaquim Domingos Soares

Na sua forma de inoculação aérea ou respiratória, somente uma colher do Bacillus anthracis, o agente causal do "anthrax" ou antraz, pode matar centenas de pessoas. A velocidade e a facilidade pela qual este potente e resistente esporo pode causar morte torna esta bactéria uma das mais perigosas armas biológicas. Estima-se que pelo menos 10 países atualmente têm a capacidade de montar e realizar um ataque com Antraz. O seu potencial como "arma" terrorista também é igualmente real, produzindo pânico na população.
Normalmente é uma doença de herbívoros, e a infecção humana natural rara. A vacina para uso humano existe, mas a raridade da infecção torna a vacinação em massa impraticável. O tratamento pós contágio consiste no uso de antibióticos, tais como, penicilina ou ciprofloxacina, dados imediatamente após a exposição. E a antibioticoterapia deve ser dada antes do surgimento de sintomas, pois de outro modo, a progressão da infecção é inexorável e rápida, e as vítimas não vacinadas usualmente morrem dentro de poucos dias. Atualmente pesquisadores da "Harvard Medical School" identificaram uma potencial linha de pesquisa que poderá se constituir em uma nova terapia para o antraz humano.
Desenvolvida por R. John Collier, o professor da cadeira de Maude e Lillian Presley, de Microbiologia e Genética Molecular, e os Pós-Doutorandos Bret Sellman e Michael Morez, a abordagem da presente pesquisa pode conduzir a uma droga com duplo efeito, a saber, atuando como vacina preventiva e como um mais versátil tratamento curativo. Este estudo aparece na Science, do dia 27 de abril de 2001.
O Bacillus anthracis secreta 3 subunidades da sua toxina, a saber, Antígeno Protetor (AP), Fator Letal (FL) e Fator Edemigênico (FE) que são liberados dentro da circulação do hospedeiro e estão envolvidos com a toxicidade do B. anthracis nas células. Pelo menos 7 subunidades unem-se a dos Antígenos Protetores (AP) para formar a proteína do poro. Para que haja a entrada do Fator Letal (FL) nas células do hospedeiro tornam-se necessárias as seguintes etapas:
1. A união dos fatores antigênico-protetores (AP) para formar um hectâmero, a proteína do poro composta de 7 subunidades;
2. O Fator Letal (FL) e / ou Fator Edemigênico (FE) ligam-se a proteína do Poro e são endocitadas.
3. Após a endocitose dos complexos, a proteína do Poro libera dentro das células os fatores ou subunidades tóxicas, FL e FE, ocorrendo este fenômeno no meio ácido do endosoma. O antígeno protetor pré-poro sofre alterações conformacionais que o torna capaz de inserir-se na membrana envoltória da célula e formar aí um Poro. O poro provavelmente proporciona uma passagem para as toxinas, FL e FE, possibilitando-as a deslocar-se através da membrana e do citoplasma da célula hospedeira. Estas duas subunidades primeiramente entra e destrói os macrófagos, por isso neutralizaria a habilidade do corpo para combater e erradicar a infecção.
Usando a estrutura cristalina do antígeno-protetor pré-poro, em colaboração com outros pesquisadores do HMS (Harvard Medical School), a saber, Carlo Petora e Robert Liddington, o professor Collier e colegas identificaram os aminoácidos do antígeno-protetor que são críticos para a formação do poro e realizar a transformação e transporte das toxinas letais (FL e FE). Chave para experimentos futuros foi a descoberta que moléculas que se ligam ao antígeno-protetor eram ainda capazes de se ligarem a moléculas do antígeno protetor selvagem e esta aos fatores FL e FE. Este fato conduziu os pesquisadores a seguinte hipótese, que estes mutantes devem, de uma maneira dominante negativa, interferir com a formação do poro maduro, e prevenir a toxicidade, portanto, servindo como uma terapia à infecção pelo Antraz. Além do mais, eles inferiram, que este tratamento deve ser efetivo após cessação dos efeitos da antibioticoterapia nos casos mais avançados da doença.


O Efeito Mutante


Os pesquisadores primeiramente testaram a habilidade do antígeno-protetor mutante em prevenir que o antígeno-protetor realizasse a translocação de toxinas "in vivo". Quatro dos seis mutantes testados foram efetivos, o mais potente deles era quase 100% inibitório ao tipo selvagem. Isto sugeria que um mutante simples em um conjunto de heptâmero (7 unidades) corrompia o complexo proteico inteiramente.
Os pesquisadores então avaliaram a habilidade do antígeno-protetor mutante de impedir a ação da toxina no clássico modelo experimental de antraz "in vivo" no rato. Quando mutantes do antígeno-protetor eram injetados em conjunto com uma mistura normalmente letal do antígeno-protetor selvagem e o Fator Letal (FL), os ratos não desenvolveram qualquer sintoma de intoxicação ou endoxemia.
As variantes do antígeno-protetor "protegeram totalmente os animais, comparativamente aos animais do grupo controle (sem proteção do antígeno-protetor mutante), estes tornaram-se moribundos e morreram em 90 minutos". As três mais potentes variantes do antígeno-protetor preveniram totalmente os sintomas quando presentes em uma taxa relativa de 0.25:1 em relação ao antígeno-protetor selvagem. Estes resultados são extraordinários.
As variantes antigênicas do antígeno-protetor são particularmente excelentes candidatas para uma terapia eletiva para o Antraz, considerando que o antígeno-protetor selvagem é já reconhecido como seguro em humanos: e ele é um dos principais componentes da vacina para Antraz correntemente em uso pelas Forças Armadas Americanas, é este uso, como vacina, que deu a esta subunidade o seu nome de antígeno-protetor.


Aspectos Imunológicos


O antígeno-protetor mutante também desencadea uma resposta imune equivalente àquela produzida pelos antígenos-protetores selvagens utilizados na vacina, no contexto experimental (modelo murino). O antígeno-protetor-mutante, portanto, desempenha ambos papéis, tanto como, vacina, quanto um tratamento anti-toxina, negando-se a necessidade de produzir duas drogas separadas. O antígeno-protetor-mutante pode também provar ser importante na prevenção do Antraz retardado, uma situação na qual o Antraz desenvolve-se semanas após exposição devido a um atraso no desenvolvimento germinativo dos esporos. A esperança é que pela administração desta molécula pode-se desencadear uma reposta imune que geraria níveis protetores de anticorpos contra a toxina no momento que os esporos retardados germinassem.
Os pesquisadores estão agora determinando se moléculas mais eficientes do antígeno-protetor podem ser produzidas. E, estudos de eficácia usando um modelo experimental no camundongo da infecção por Antraz serão realizados nos Laboratórios das Forças Armadas Americanas, em Maryland. Se demonstrar serem mais efetivos na interrupção do ciclo de infecção do Antraz do que a própria antibioticoterapia, ou se for complementar, estes mutantes serão uma nova arma no tratamento do Antraz.
Também pode-se inferir a possibilidade de generalizar-se esta abordagem para outras doenças infecciosas, principalmente com a crescente ameaça de aumento de cepas bacterianas resistentes aos antibióticos e a ameaça do uso das mesmas como armas biológicas. Novas terapias, tais como esta, demandam especial atenção dos governos e da Comunidade Científica Mundial.
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